quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Meia-noite


Meia-noite. Galos cantando, à meia-noite.

À meia-noite todos os galos são pardos.

Galos, gatos são pardos. À meia-noite,

olhos de gelo

e relógios a alarmar, galos a cantar,

cantos a ladrar, à meia-noite.

Galos e gatos são pardos

à meia-noite.

Toda noite, quando partes

meus calos me doem em um ritmo

intenso.

Como se meu coração saltasse

e os olhos reclamassem a falta

do gato pardo da matriz.

Meia-vida e meia-boca.

Meia-luz e meia-voz.

À meia-noite partes

na calçada. Cães e ladridos perseguem-te.

E nesse processo, me imerso

e retrocedo sem sossego

e me perco mui cedo.

E a insônia me corrói o juízo,

juízo e sombra me assomam e

jogam no ralo.

Um calo, um gato e um galo.

À meia-noite,

um riso e uma flor.

Se vão, em vão, no vão.

Meu chão se abre e

Parte-me. À meia-noite.

Galos e gatos são pardos.

Poema das várias Saudades


escrevo um traço
de fino trato
estilístico e ético, cético, místico
e abandono meus amigos
fastidiosos...
lembro de um certo alguém...
umas vagas lembranças
recordadas a custo.
sou lembranças,
sou saudades,
sou eu mesmo imerso
em minhas lamúrias.
sou pedacinhos de lembranças
regaladas em papel de presente,
uma fita de cetim, da cor azul,
um coração pintado a guache,
poucos balões
e os paralelepípedos de tua porta.
sou reticências
escritas
no meio de duas estrelas,
as reticências que
impediram
nossos olhos cruzados.

sábado, 26 de maio de 2007

Prélio



Lá fora o sol irradia
e sopra nos meus cabelos.
O frescor da menta é cultivado em meus olhos
e a vida insiste em passear pelo campo aberto.
Quero calar a boca e
bocejar à vontade.
O céu convida pr'um beijo.
Lua, sol e nuvens.
O vento insiste em me arrastar pro infinito.
A chuva tarda,
o sorriso falha
e a boca cala.
A fantástica máscara canta e regojiza.
A bala de menta insiste em refrescar.
Meus falhos desejos são recortados a gosto.
Minhas têmporas salivam
e minhas mãos ásperas suplicam
por uma pequena
pausa.
Meus pesadelos cessam por um instante.
Príncipes e princesas buscam um beijo a mais.
E a fronte quer apenas um espelho
e contemplar as horas.
A calma invade o corpo.
E a preguiça expulsa qualquer
resquício de saudade.
Meus nobres sonham repousam
num leito macio e brando.
As horas correm e o pulso pára.
Uma torrente de brasas cai em meu peito.
Pernas bambas.
Preces em leito de morte.
Morte e sonho se encontram.
E mais uma vez o hálito de menta
a recordar as lembranças.
O juízo é próximo.
Fim e Início travam uma guerra.
Batalhas, duelos e pontes.
O caminho mais curto é longe e tenebroso.
Minhas pupilas dilatam e o peito bate em
desespero.
Medo. Eu só vou dormir com medo.
Sonhos, guerras e hortelã.
Minhas balas são contadas em quilo.
Minhas unidades existem em se contradizer.
Pupilas, menta e horas.
Rogo e não alcanço,
mas colho sem plantar.
: Jander Alcântara

terça-feira, 22 de maio de 2007

The Beatles - Eleanor Rigby Lennon/McCartney



AH, LOOK AT ALL THE LONELY PEOPLE!
AH, LOOK AT ALL THE LONELY PEOPLE!
ELEANOR RIGBY PICKS UP THE RICE IN THE CHURCH
WHERE A WEDDING HAS BEEN
LIVES IN A DREAM
WAITS AT THE WINDOW
WEARING A FACE THAT SHE KEEPS IN A JAR BY THE DOOR
WHO IS IT FOR?
ALL THE LONELY PEOPLE
WHERE DO THEY ALL COME FROM?
ALL THE LONELY PEOPLE
WHERE DO THEY ALL BELONG?
FATHER MCKENZIE, WRITING THE WORDS OF A SERMON
THAT NO ONE WILL HEAR
NO ONE COMES NEAR
LOOK AT HIM WORKING, DARNING HIS SOCKS IN THE NIGHT
WHEN THERE´S NOBODY THERE
WHAT DOES HE CARE?
ALL THE LONELY PEOPLE...
ELEANOR RIGBY DIED IN THE CHURCH
AND WAS BURIED ALONG WITH HER NAME
NOBODY CAME
FATHER MCKENZIE WIPING THE DIRT FROM HIS HANDS
AS HE WALKS FROM THE GRAVE
NO ONE WAS SAVED
ALL THE LONELY PEOPLE...
AH, LOOK AT ALL THE LONELY PEOPLE!...

segunda-feira, 21 de maio de 2007

PUTA INSANA



Ouço passos vindos da direção da luz,
Sinto gotas d’água que jorram do teu seio,
Sigo calmo no semblante e no espelho.
Aguardo, distraio, ensaio os teus cantos,
Decoro tuas preces, e, com pressa, te vejo
Agora muda, abatida e parada.

Tua boca fala nexos sem contexto,
Vejo em teus olhos o luto
De um amor que nunca sentistes.
E esbravejas ao mundo nóias paradoxais
De teu ventre agora seco, mudo, cansado.
Os braços pesam, o peito pára, a boca seca.

Distante de mim te perdes e pedes,
Competes, repetes o sonho
De pedra e parafuso que insiste
Em agonizar teus pesadelos.
Os pés pesam, a fala cansa
E as mãos... Coitadas!

Agora rebolas e descolas esmolas.
Teus sonhos cansaram, teus seios secaram.
Murcha, pálida... Cadê a rainha dos carnavais?
Tuas vestes são trapos, teus sonhos são secos,
Teus cantos são ecos e gritas de dor.
Gemes, choras, cantarolas e angustias tuas lágrimas.

E a puta que habitava teu seio
Partiu.
Jaz em teus gritos a dor da
Agonia.
E a ferida em teus lábios pútridos
Incha e cala.

O sal derramado de teus olhos
Retorna, multiplica, implica, retruca.
Cansada, agora, partes pro teu posto.
Aposto que nunca esteve em teus sonhos
A mágica fascinante desgraça
Em que te tornastes.

: Jander Alcântara

TERESA


TERESA
Nunca esquecerei seus passos
Largos, tristes, cansados...
Seus longos olhos enfadonhos,
Sua boca pálida.
Pálida também as mãos, o ser...
Era tão só, vagava, gritava e não a intervinham.
Flores! Ela saiu pra comprar flores!
E os seus passos apagavam à medida que o céu clareava.
Sua sombra sumia, seus olhos sumiam... A fala... Sumia.
Suas roupas esvoaçantes... Seus cabelos num tom pastel
Refletiam a dor contida no seio.
A dor
De
Ser
Assim, leve, calma, dura.
Nunca lhe disseram do pesar que por ela sentem...
Nunca lhe cogitaram sua morte pela sua imensa
Insignificância.
E ainda vive.
Ainda é a mesma tola do dia anterior,
Sonha, chora, grita, canta até.
Seus passos diminuíram, sua fala calou,
Seu ventre ressecado inchou.
A boca?
Que boca?
Mandaram coser...
E pobre tola, boba que só vendo...
Permanece calada, pura até.
Puramente.
Cegamente.
Imensamente insignificante.
Os braços cruzados, a pernas atadas, a boca cosida.
E os lírios, ainda frescos, as magnólias, ainda virgens...
O chão... A mão...
Ela os quer. Quer seu perfume.
E dança, boba, leve, calada, calma, pueril até.
Teresa cansou de ser só.
Vive agora com as suas pétalas.
Lírios
Magnólias
Margaridas...
Teresa é assim,
Boba, calma, insignificante, uma criança até.

: Jander Alcântara

Bocejo matinal



As vozes no meu peito me aborrecem.
Sentir-se vago
é caminhar contra o vento.
O palpitar de minha saliva
pede cama, repouso e sorte.
Talvez tope comigo,
minha figura refletida no espelho.
E farei-me sorrir, cantar
e voar pelos céus. O céu da tua boca.
Varrer-lhe os sonhos, a castidade
e as dores.
Sentir-me bem pra te dar um abraço.
Sonhar e ver teus passos,
os passos pisados há pouco na grama.
E, se por infortúnio, roubarem-lhe os sonhos,
lembre que cedo beijei-lhe a testa e
e enxuguei suas lágrimas no meu colo.
Espero que o aceno que me enviastes
seja o único.
Espero que o beijo não finde
e o braço se curve com o meu.
Quero sentir-me tolo,
quero voar e contar fábulas
ao pé-de-ouvido.
Quero ser pequenino e
brincar de gente grande.
Meus espasmos são saudades
estendidas no mar de flores vermelhas.
Castos olhos pagãos
me assassinam e calam.
Seu fortuito é deixar-me só.
Quero que o relógio salte da parede
e trucide as horas.
Estúpidas, apenas.
Esqueçamos as portas
e brindemos à Lua.
E sinta que estou inteiramente só.
à espera de um beijo seu.
Estou calvo, mudo e desprotegido.
Minhas desconfianças se confirmam.
E o beija-flor visita teu território
em busca de néctar, sal e suor.
Que nosso virgem bocejar prolongue
e que nossas pernas atem-se
numa música de Bach.
Que a partitura torne viva
no teu sorriso.
E que cesse o pranto recorrente.

: Jander Alcântara

Andorinha


Calma. Vê daqui a Lua.
Encosta-se em mim e veja.
Seja.
Deita ao meu lado e toma um gole do meu café,
ele ainda está quente como meus lábios,
molhados e dormentes.
Nada em meus olhos.
Sinta o contato da minha pele, úmida e leve.
Cai em meu colo e deixa-me sentir o calor de teu hálito.
Vê. O sol tá indo dormir com sua amante.
Que façamos!
Amemos.
Falemos besteiras ao pé do ouvido.
Mas deita aqui e foge comigo pra outra galáxia.
Calma, apenas.
Meu riso frouxo me incomoda.
Enquanto rio, milhares de amantes morrem.
Minha lágrima é esterco em sal.
Vejo o fundo do pote e não enxergo nada.
É desesperador, agonizo, suspiro,
canso e sinto o vento em meus cabelos.
Quero apenas um minuto mais.
Repousa em meus braços e esquece que eu existo.
Esqueça o mundo que grita lá fora.
Foge da luz, ela é tola.
Dedilha algumas notas em meu corpo
e sente o corpo espreguiçar junto ao meu.
Mas seja, veja, cante e ria.
Que morram os amantes, mas que sobremos.
Sejamos os únicos a fechar a porta e sumir.
O céu repousa em meus olhos,
ele gira, ele pára,
ele surge como um véu.
Veste essa lua que te presenteio.
Larga meu braço e voa comigo.
Quero ser apenas uma andorinha a desfilar.
Deixa-me desenhar teu rosto
num pedaço de papel riscado.
Repousa teus braços na minha nuca.
Silencie.
Mas me larga na primeira curva.
Quero andar um pouco só.
Quero sentir tua presença
mesmo quando não está ao meu lado.
Deixa que o pranto jorre.
Cala minha boca e me tira daqui.
Quero navegar pra qualquer estrela
mais distante.

: Jander Alcântara